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A dura realidade dos lares brasileiros

Texto de Maria Carolina Luna

Na tarde do dia 28 de novembro, a Polícia Militar recebia mais uma denúncia de violência contra mulher na região de Rio Largo, região metropolitana de Maceió. A denúncia acontecia em uma segunda de Copa do mundo de Futebol, momento de confraternização de diversas famílias que assistiam aos jogos juntos. Em uma casa de Maceió, os gritos não eram de felicidade, e sim de medo.

 

Ao chegarem à residência informada durante a denúncia, os policiais se depararam com um homem que se preparava para sair de casa. Quando perguntado se estava tudo bem na residência, o suspeito informou que sim. Friamente pediu que sua filha chamasse a mãe. A mãe, ao encontrar os policiais, confessou que minutos atrás havia recebido diversos socos do marido, que portava uma faca em suas mãos enquanto ameaçava a vida da sua mulher.

 

Quando perguntada se aquela seria a primeira violência sofrida pela vítima de 51 anos, a mulher, que estava  muito assustada, relatou que aquela realidade já se prolongava há 20 anos. Mas que havia chegado a uma situação insuportável. O indivíduo suspeito foi encaminhado até a Central de Flagrantes, onde foi formalizada a denúncia.

 

Dados de Agosto de 2022 revelam que ligações como a daquele dia de Copa do Mundo  estão cada vez mais recorrentes, uma vez que Alagoas é o terceiro Estado do Nordeste em ligações ao 190 para denunciar violência doméstica, segundo dados da Segurança Pública Nacional.

 

Somente entre os anos de 2020 e 2021, foram realizadas 22.899 denúncias. A Segurança Pública aponta que em 2020, o Estado registrou 11.050 denúncias, enquanto que no ano seguinte, em 2021, o número foi de 11.849, um aumento de 7,2%.

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Essa triste realidade revela um estado que ainda não protege, de forma efetiva, suas mulheres. Somente no ano de 2022, até o mês de outubro, já foram contabilizados 26 feminicídios. Esse número ultrapassa os casos que aconteceram em 2021. De janeiro até dezembro do ano passado, 25 casos de feminicídios foram contabilizados pela Secretária de Segurança Pública de Alagoas. Dados como esse só revelam como a luta pelos direitos da mulher ainda é presente, diária e necessária. Especialmente o direito de viver uma vida digna, sem violências.

 

Grande parte dos casos de violência contra mulher acontece em casa. Um dos principais aspectos que corrobora para o início das violências dentro das relações está no machismo enraizado na cultura brasileira. Desde a infância, é comum visualizar as diferenças nos tratamentos e nas tarefas acessíveis às meninas. Enquanto as meninas brincam de dona de casa, os meninos são encorajados a brincadeiras com profissões e ambições diferentes, o que já constata uma intenção de colocar a mulher na posição doméstica, evidenciando ainda mais uma cultura patriarcal onde mulheres ainda lutam para conseguir cargos e posições de poder. 

 

O cenário familiar possui uma grande relevância no entendimento sobre a sociedade. Se uma criança cresce vendo em casa um reflexo misógino, que diminui a importância feminina, que reduz uma mulher a tarefas somente domésticas, a relações abusivas, certamente irá reproduzir isso fora do seu lar. E através desse ciclo a violência contra mulher sempre será uma pauta recorrente. Infelizmente, não basta as mulheres se encorajarem, se tornarem independentes e assumirem mais posições de poder, é necessário que os homens entendam sobre os privilégios que sempre os beneficiam e que estão ligados a uma cultura misógina. 

Outro fator que favorece o surgimento de relacionamentos abusivos, está na constatação de que em muitas relações, os sinais de alerta acabam passando despercebidos. E são, na prática, indícios das violências que podem ocorrer. “A partir do momento em que fui trabalhar em uma obra, em Pilar, ele passou a observar. Evitava brincadeiras e sorrisos para não confundirem com algum tipo de liberdade e pedia a ele para não se envolver no trabalho, pois sabia se comportar. Ele aparentemente me apoiou em tudo que fiz, sempre trabalhei, estudei e nunca saí muito. Ao certo, não sei quando tudo mudou. Porém, me recordo de algumas vezes em que fui ao médico e tive que fazer chamadas de vídeos ou ligar o tempo todo para provar onde eu estava" Esse relato está presente no boletim de ocorrência que Maria Elenilda Vieira da Silva, de 28 anos, registrou no dia 3 de julho de 2022. Maria foi encontrada morta com ferimentos de nove tiros de arma de fogo 11 dias depois, dentro de casa, no Pontal da Barra. Morta pelo companheiro que após o crime, cometeu suicídio no local.

 

O caso de feminicídio foi somente o primeiro de três que aconteceram em julho de 2022. Nos três casos, mulheres foram mortas pelos seus companheiros. Após a investigação do crime, a Policia Civil identificou que Maria Elenilda já havia pedido socorro no boletim de ocorrência alguns dias antes de ser morta. O boletim foi divulgado por diversos veículos de comunicação de Maceió. Em um dos relatos, a vítima expõe o medo que possuía em dormir na mesma residência com o companheiro, que já apresentava sinais violentos há muito tempo. "Mais ou menos a partir dessa época, eu já não saía mais sozinha. Ele estava monitorando meu celular por um aplicativo que monitorava som ambiente, mensagens de texto, Whatsapp, Instagram e tudo que fazia pelo celular. Pediu para eu sair do trabalho, pois só a partir disso podíamos iniciar uma nova vida. Assim eu fiz, nada mudou. As brigas não pararam, na rua eu não podia olhar para o lado, tudo que acontecia à minha volta é culpa minha, ninguém pode me olhar. Em casa, já não consigo dormir direito. Estou sempre com medo de alguma coisa acontecer", expôs a jovem. 

 

Casos como esse também revelam a ineficácia do Estado no combate à violência contra a mulher. No final do boletim, Maria Elenilda faz um pedido de ajuda. "Me sinto atordoada, perseguida e sufocada. Me sinto sozinha e sem saber o que fazer para fugir dessa vida. Desejo solicitar o pedido de medidas protetivas para que possa afastá-lo do lar", pede ela.

 

O pedido de medida protetiva não foi o suficiente. Maria Elenilda teve seus sonhos destruídos. Uma vida pela frente que jamais poderá acontecer, uma família que chora até hoje a tristeza em perder uma jovem no auge da sua vida. Filha, prima, irmã. Maria Elenilda é mais um caso de centenas que poderiam ter sido evitados, que poderiam ter sido combatidos. 10 anos de relacionamento. Quantas violências Maria sofreu até o dia da sua morte? O que poderia ter sido feito para amparar essa mulher?

 

As medidas protetivas, que estão previstas na Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, são mecanismos na lei que possuem o propósito de assegurar que toda mulher tenha direito a uma vida sem violência e com a preservação de sua saúde física, mental e patrimonial. O pedido pode ser solicitado pelo Ministério Público ou pela própria vítima, por meio de um advogado ou da Defensoria Pública (LMP, art. 19)

 

Dados revelam que em Alagoas, foram registrados 814 pedidos de medida protetiva de urgência para meninas e mulheres em situação de violência doméstica no período de janeiro de 2020 a maio de 2022. Destes, 99,31% foram deferidos pela Justiça. Já em todo o Brasil foram registradas 572.159. Os números revelam a baixa desses pedidos, que não são compatíveis com o alto número de denúncias de violência no estado. O levantamento mostra ainda que 34% das solicitações de Medidas Protetivas de Urgência (MPUs) em Alagoas só recebem resposta da Justiça após o prazo de 48 horas.

 

Foi pensando em lutar contra o número de casos de violência contra a mulher que o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM) foi criado em 2016. A ONG atua em diversos bairros de Maceió e é mais um auxílio às mulheres. “Somos uma ONG de Mulheres, para mulheres, que por meio da sororidade e solidariedade tentamos nos apoiar no sentido de nos proteger e lutar contra a violência e pelo bem viver das mulheres que mais precisam”, explica Paula Simony, coordenadora do projeto.

 

O Centro desenvolve diversos projetos, que possuem cerca de 30 voluntárias e mais de 500 assistidas em diversas vertentes. A ONG promove um serviço de atendimento com advogadas, assistentes sociais e psicólogas para o acompanhamento da vítima pós trauma, gratuitamente. Além de aulas, oficinas e capacitação profissional.

 

Segundo a pesquisa “Redes de apoio e saídas institucionais para mulheres em situação de violência doméstica", realizada em outubro pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), em parceria com o Instituto Patrícia Galvão e apoio do Instituto Beja, que foi amplamente divulgada, a maioria das mulheres que sofrem violência, temem sair dos relacionamentos pois dependem economicamente do agressor. 

 

Paula revela que entre os aspectos que podem ser notados entre as mulheres assistidas pelo CDDM, está o empoderamento após serem acolhidas.  “O mais importante é a virada de página, um misto de independência econômica com empoderamento, qualidade de vida e cuidados com as demandas psicológicas, aspectos que fazem as mulheres melhorarem de verdade e passarem a reconstruir suas histórias. Tudo isso só é possível, graças às profissionais e demais mulheres que se fortalecem juntas”, explica ela.

 

Entre as atividades da ONG, Paula destaca a importância das rodas de conversa no processo de inclusão das vítimas. Dessa forma, ao ouvirem os relatos de outras sobreviventes, as mulheres se sentem mais acolhidas com suas histórias. “Promovemos rodas de conversa, e esclarecimentos acerca de direitos, além de terapias comunitárias interativas que fazem com que as mulheres se apoiem em grupos e aprendam a curar suas dores coletivamente”, frisou ela.

 

O CDDM é mais um aliado na luta em defesa das mulheres. Entretanto, Paula destaca a importância de políticas públicas efetivas que possam combater o número de casos de violência.  “Ainda há muito a ser feito, enquanto a questão da mulher for levada como algo pontual, sem a importância da construção de políticas públicas, tudo será mais difícil. É preciso pensar a violência como algo que deve ser sanado por todos os setores. O problema da mulher não é algo somente para a secretária da mulher, mas algo que perpassa por todas as secretarias, porque é preciso pensar numa sociedade que em todos os setores é preciso apoio e cuidado pela equidade de gênero e pelo fim da violência”, frisou ela.

Dependência emocional: por que não é tão simples sair de um relacionamento abusivo?

Vários fatores dificultam as mulheres de sair dessa situação

Texto de Nataly Lopes

Muitos são os fatores que dificultam as mulheres de sair de relacionamentos abusivos e um deles é a dependê ncia emocional. Achar que não vai encontrar alguém melhor, ter uma autoestima baixa e achar que o parceiro vai mudar faz com que as mulheres mesmo sofrendo violência continuem naquela situação.

 

Segundo a pesquisa “Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres” realizada pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com o Data Popular, em 2013, 43% da população brasileira concorda que a mulher que vive um relacionamento abusivo corre mais risco de vida quando tenta acabar o relacionamento.

Além disso, 85% da população acredita que as mulheres que denunciam seus parceiros agressores correm mais risco de serem assassinadas por eles. Os dados são muito alarmantes e exemplificam como é muito difícil terminar um relacionamento tóxico. 

 

Nossa equipe coletou dados de 10 mulheres alagoanas que já sofreram algum tipo de violência e algumas delas sofreram agressões no ambiente doméstico, como é o caso do relato a seguir. A vítima não fez a denúncia por vergonha.

“O agressor era o meu esposo e pai dos meus filhos. Me agredia fisicamente, batendo e rasgando minhas vestes. Me destratava de todas as formas que podia. Obrigava ter relação sexual como ele queria. Ele tinha muita força. Fazia pouco caso de mim na frente das pessoas”, afirmou a vítima anônima. 

 

É muito importante que pessoas próximas ajudem e acolham essas mulheres vítimas de violência. Pensando nisso, a cartilha abaixo trata o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres, ressaltando a necessidade do acolhimento de pessoas próximas a essas mulheres.

O documento foi feito pela Defensoria Pública, a ONU Mulheres, a Secretaria Adjunta de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SAMIDH) e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

Isolamento e privação da mulher por seu companheiro

 

De acordo com um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS) realizado em 2021, uma em cada três mulheres no mundo já foi vítima de violência física ou sexual cometida por um homem. Muitas vezes essa violência ocorre dentro de casa por um namorado, marido, pai ou outro familiar. É comum os relacionamentos abusivos terem um certo padrão, um ciclo que envolve a mulher e não deixa ela sair.

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Na primeira fase, muitas mulheres são privadas de terem contato com outros homens, com amigos e com familiares. A vítima começa a se isolar, sair menos, interagir menos com outras pessoas. 

 

Segundo a Superintendente de Políticas para a Mulher da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos de Alagoas (Semudh-AL) e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, Dilma Pinheiro, o Estado tem papel fundamental para cuidar dessas mulheres que perceberem que estão em um relacionamento abusivo e precisam de algum apoio.

ÁudioDilma Pinheiro
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As mulheres também podem fazer denúncias pelos canais telefônicos 181 e 190, irem nas Salas Lilás nos Centros Integrados de Segurança Pública (CISP) e na Delegacia da Mulher, que tem funcionamento 24 horas durante todos os dias, além de utilizarem o aplicativo Salve Maria.

Áudio 2Dilma Pinheiro
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